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Direitos Humanos das Mulheres Violência Obstétrica e suas Consequências – Danos Morais

Marilane Lopes Ribeiro
Introdução

 A temática das relações entre a sociedade e o Direito é tratada pela Sociologia do Direito que busca com que os dois itens estejam intimamente ligados. Tal disciplina estuda o fenômeno jurídico do ponto de vista social com o foco voltado a adequação da ordem jurídica aos fatos sociais.

Para Paulo Nader, 2010, autor do livro Introdução ao Estudo do Direito “As relações entre a sociedade e o Direito, que foram o núcleo de seus estudos, podem ser investigados sob os seguintes aspectos principais: a) adaptação do Direito à vontade social; b) cumprimento pelo povo das leis vigentes e a aplicação destas pelas autoridades; c) correspondência entre os objetivos visados pelo legislador e os efeitos sociais provocados pelas leis.” [1]

Sobre outro enfoque podemos dizer que para que o Direito se desenvolva não basta editar leis, construir jurisprudência e aplica-lo mas, como dito, é necessário conhecer a sociedade e é este o fundamento principal da Sociologia do Direito, Miguel Reale, 2002: “a Sociologia jurídica nos mostra como os homens se comportam, efetivamente, em confronto com as regras de direito, ao contrário a jurisprudência ou Ciência do Direito que nos mostra como os homens devem se comportar, em tais ou quais circunstâncias disciplinadas por aquelas regras.

Sérgio Cavalieri Filho, 2004, na obra Programa de Sociologia Jurídica afirma que a Sociologia do Direito é um ramo autônomo do conhecimento e diz “É evidente, porém, que, embora se tratando de uma ciência autônoma, com objeto próprio e inconfundível, mantém a Sociologia Jurídica íntimas relações com todas as ciências sociais, principalmente com a Ciência do Direito e Filosofia do Direito, com as quais tem muito em comum”.

Peço vênia para transcrever trecho do livro El acusado en el ritual judicial do professor Ignacio F. Tedesco, 2014, como pensamento: “El juício en el que se resuelve el conflicto es el resultado de uma cosmovisión ,de una “forma natural” de entender al mundo, la que le da um sentido y legitima su resolución.”

Nesse contexto de ideia, ao se conhecer a sociedade podemos destacar que nos tempos atuais são inúmeros os conflitos e contendas envolvendo a questão da responsabilidade civil. Não por outro motivo é que no século XX tal instituto passou por grande evolução. Deve-se esse fenômeno à compreensão dos cidadãos sobre os seus direitos e o incentivo das instituições ao acesso à Justiça e tem como objetivo proteger o que se considere lícito em uma ordem social e, a contrario sensu, reprimir o que se apresente ilícito.

No sistema jurídico brasileiro, até mesmo pelo excesso de demanda que a sociedade impôs, o Código Civil Brasileiro de 2002 trata do tema de forma mais intensa do que o Código de 1916 e no Art. 186[2] discorre a previsão da responsabilidade civil por ato ilícito. Cominado com a Constituição Federal potencializou-se os danos morais, com explanação de como detectá-lo e a maneira de aplicar as normas correlatas.

O Código Civil Brasileiro define o ato ilícito como ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência que afronta direito ou causa prejuízo a outrem. Pois bem, deste ato antijurídico advém a responsabilidade de quem causou como consequência. A responsabilidade pode ser legal, quando decorrente de previsão legal, ou contratual, oriunda de disposição contratual, por acordo de vontades.

Esse trabalho pretende fazer um estudo da responsabilidade civil de forma sucinta, já que para melhor compreensão o instituto possui inúmeros doutrinadores, estudiosos e vários livros sobre o tema. Caminha o presente estudo no sentido de passar pelos conceitos, aplicabilidade e consequências jurídicas, culminando com a possibilidade de pretensão de danos morais quando ocorrer violência obstétrica.  

Pretende-se explanar a questão dos direitos da mulher e especificamente fazer uma reflexão acerca da violência em desfavor da parturiente na hora do parto e as consequências jurídicas dessas violações no âmbito da responsabilidade civil, quando a paciente sofre com os traumas e acarretam problemas psicológicos durante a vida.

Com o estudo pretendo elevar o pensamento a respeito e poder ajudar inúmeras mulheres a reivindicarem seus direitos, caso venha a sofrer danos morais, em um dos momentos mais esperados e felizes de sua trajetória que é a de ser mãe, por cometimento de atos ilegais e ilícitos dos operadores de saúde na hora do parto, e ainda o que vem a ser violência obstétrica.

Fundamentação teórica
1 – Responsabilidade Civil

Vamos ao conceito. Ao ler o Art. 186 do Código Civil Brasileiro podemos extrair um conceito como sendo o dever de reparar os danos provocados por cometimento de atos ilícitos. Em outras palavras é a obrigação de reparar o dano que uma pessoa causa a outra. E como se repara o dano? Por meio de indenização que na maioria das vezes é pecuniária. O dano pode ser à integridade física, psicológica, à honra ou aos bens de uma pessoa.

Como ensina o doutrinador Sergio Cavalieri Filho, 2004, “A violação de um dever jurídico configura ilícito, que, quase sempre, acarreta dano para outrem, gerando um novo dever jurídico, qual seja, o de reparar o dano.” Tem-se que quem sofra algum dano, seja ele material ou moral, deverá ser ressarcido pelos prejuízos sofridos.

Para melhor descrever sobre o conceito de responsabilidade civil, até mesmo considerando a frase conceitual… é a obrigação de reparar o dano… é necessário fazer a distinção entre obrigação e responsabilidade. Como diz Sergio Cavalieri, 2004, “Obrigação é sempre um dever jurídico originário; responsabilidade é um dever jurídico sucessivo, consequente à violação do primeiro.”

Vale dizer que se temos a obrigação de cumprir um dever, assim não o fazendo gera uma responsabilidade que é um dever jurídico. Exemplos: se uma concessionária vende um carro e o condutor ao acionar o veículo acontece um incêndio e o consumidor venha a sofrer queimadura com sequela permanente, deve esta empresa indenizar o comprador em razão do dano sofrido à sua integridade física. A obrigação da empresa é de vender um produto em perfeito estado de funcionamento e assim não cumprindo que podemos chamar de dever originário gera então o dever jurídico de reparação do dano.

Se uma pessoa tem o dever de respeitar a imagem de outrem e a denigre em público com ofensas à sua personalidade, advém uma responsabilidade em indenizar o lesado pelos danos morais sofridos e assim por diante.

Washington de Barros Monteiro, 2007, conceitua a obrigação como a vinculação de uma pessoa a outra, através de declarações de vontade e da lei, tendo por objeto determinada prestação. O Art. 927 do Código Civil Brasileiro diz “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”

Decorre do conceito e do dispositivo apontado que a responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo, posto que surge como consequência de um descumprimento de uma obrigação, daí os conceitos dos doutrinadores se convergem.

Nesse diapasão, o sistema jurídico no arcabouço do regramento de condutas e deveres tem como objetivo proporcionar a paz e harmonia de uma sociedade para que então tenha segurança jurídica com convívio equilibrado. Mas como estamos falando de seres humanos, com pensamentos e reações adversas, as condutas são inesperadas e podem violar normas contratuais ou legais, o que enseja a responsabilidade de reparar lesões ou interesses violados.

2 – Elementos da responsabilidade civil

Ao estudar acerca dos elementos da responsabilidade civil constata-se que não há unanimidade por parte dos doutrinadores em apontar quais são os ditos elementos, mas encontramos pensamentos comuns com exceção em relação à culpabilidade, já que alguns autores não vislumbram a culpa para o dever de indenizar.

Flavio Tartuce, 2017, comunga com o entendimento de que tanto a culpa em sentido amplo ou genérico é elemento essencial da responsabilidade civil e elenca quatro pressupostos a saber: a conduta humana; culpa genérica ou lato sensu; nexo de causalidade e dano ou prejuízo.

Primeiro vamos falar sobre a conduta humana. Para que haja responsabilidade civil é necessário que tenha havido ato comissivo ou omisso por parte do causador do dano. Flavio Tartuce aduz que ação é conduta positiva e omissão negativa. Maria Helena Diniz, 2015, tem um dos conceitos mais completos como sendo “ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado.” 

Pelo que se denota do conceito na hipótese da ação ou omissão do agente, o prejuízo causado deve ser produzido pelo comportamento humano  resultante de ato próprio, de terceiro que esteja sob sua responsabilidade ou por animais ou coisa inanimada que estejam sob sua responsabilidade.

Ambas situações (ação ou omissão) a violação do direito pode ocorrer por descumprimento contratual, legal ou social.

A conduta omissiva culmina com o dever da pessoa praticar determinado fato, cujo descumprimento advém o dano, estando presente o nexo de causalidade. Já o dever de agir pode ser decorrente de lei, de convenção ou até mesmo da própria criação de alguma situação de perigo, que, neste caso, tem obrigação de rechaçá-lo.

Culpa. Rogério Morrone de Castro Sampaio, 2000,  afirma que “Culpa latu senso, podendo adotar a forma stricto sensu ou dolo. O agente procede com dolo quando causa o dano deliberadamente, isto é, quis o resultado. A culpa stricto senso amolda-se ao critério do homem médio, quando esse não se ateve ao cuidado que lhe era exigido, seja pela falta de vigilância ou pela escolha errada. Ainda, a culpa (stricto sensu) abarca os conceitos de imperícia, imprudência e negligência.”

Rui Stoco, 2005, assevera que “a culpa stricto sensu, é o agir inadequado, equivocado, por força de comportamento negligente, imprudente ou imperito, embora o agente não tenha querido o resultado lesivo, desde que inescusável. Aliás, geralmente o seu objetivo é lícito, ausente a intenção de prejudicar”. 

Pois bem. A imprudência se caracteriza pela falta de cautela, em que o indivíduo age precipitadamente, de forma a causar dano a alguém; a negligência é caracterizada pelo descaso, pela desatenção e por ter sido irresponsável, deixando de fazer o que era de sua obrigação; a imperícia se caracteriza pela demonstração de inabilidade profissional.

Portanto, quem age com culpa não observa as atitudes de deveria ter sem que tivesse intenção em causar danos. O dolo, pelo contrário, age com intenção de causar o dano.

Em relação ao nexo de causalidade podemos afirmar que é a interligação entre a conduta do agente e o dano. Rui Stoco, 2004, diz que “Quando se estuda a responsabilidade civil, devem-se verificar três elementos que são tidos como fundamentais. A ofensa a uma norma preexistente ou erro de conduta, um dano e a relação de causalidade entre um e outro”.  “É necessário, além da ocorrência dos dois elementos precedentes, que se estabeleça uma relação de causalidade entre a injuridicidade da ação e o mal causado.” 

Nesse contexto podemos retirar do entendimento que não ensejará indenização por danos causados se não for encontrado o liame entre a relação de causalidade, o agente da conduta lesiva e o dano, mesmo que a vítima tenha sido lesada. 

Sobre esse tópico é importante destacar que existem excludentes de responsabilidade a saber: o estado de necessidade, a legítima defesa, a culpa da vítima, o fato de terceiro, [3]o caso fortuito ou força maior e a clausula de não indenizar. [4]

Dano. É essencial a presença e constatação do dano para que haja responsabilidade civil. Assim quando um direito protegido é lesionado, seja em relação à pessoa no âmbito físico ou moral, ou a seus bens e direitos e acarretar dano este tem que ser indenizado.

Para Maria Helena Diniz, 2015, sobre o dano aduz “para que haja o pagamento de indenização pleiteada, é necessário comprovar a ocorrência de um dano patrimonial ou moral, fundados, não na índole dos direitos subjetivos afetados, mas nos efeitos da lesão jurídica.“

O Art. 944 do Código Civil Brasileiro preconiza que “A indenização mede-se pela extensão do dano.”. É necessário comprovar o dano patrimonial e extrapatrimonial suportado pelo lesado, cabendo a este o ônus de sua prova.  

Enfim, se por conduta humana culposa ou dolosa e havendo nexo causal entre essa conduta e o dano devidamente demonstrado e provado, estará presente a responsabilidade civil a ensejar indenização.

3 – Espécies de responsabilidade civil

Sobre o tema temos que considerar alguns aspectos. A responsabilidade civil pode classificar-se em várias espécies. Sob o prisma do fato gerador pode ser contratual, aquela advinda da violação de cláusulas contratuais e a extracontratual ou aquiliana proveniente da violação do dever de respeito aos direitos de outrem previstos em lei.   

Em relação ao agente pode ser direta, ou, seja por ato do próprio responsável pelo dano ou indireta por ato de terceiro, vinculado ao agente ou de fato de animal ou coisa inanimada sob sua guarda.

Com fundamento na culpa a responsabilidade civil pode ser subjetiva, chamada de teoria da culpa, quando o agente age com culpa ou dolo e deverão estar presentes ainda a conduta, o dano e o nexo causal.  Já a responsabilidade objetiva, teoria do risco, independe de culpa ou dolo, bastando a conduta, o dano e o nexo de causalidade.

A teoria da culpa, assim compreendida a responsabilidade civil subjetiva, sempre vai existir por fazer parte da essência do Direito, apesar do atual Código Civil Brasileiro ter contemplado e prestigiado a responsabilidade civil objetiva.                            Assim, provar a culpa genérica, que consiste no dolo (intenção) e a culpa em sentido restrito (imprudência, negligência e imperícia) é o pressuposto essencial para que haja obrigação de indenizar.  Não havendo culpa, não há obrigação em reparar o dano, havendo necessidade ainda de provar o nexo entre o dano e a conduta do agente.

Pois bem, tempos atrás a responsabilidade civil subjetiva foi satisfatória no plano da solução dos conflitos relacionados à responsabilidade civil. Contudo, com o passar do tempo, tanto a doutrina quanto a jurisprudência mudaram o entendimento no sentido de que este modelo de responsabilidade, calcado na culpa, não era suficiente para solucionar todas as demandas apresentadas na justiça, surgindo então a responsabilidade objetiva – teoria do risco.

Rui Stoco, 2007, descreve: “A necessidade de maior proteção a vítima fez nascer a culpa presumida, de sorte a inverter o ônus da prova e solucionar a grande dificuldade daquele que sofreu um dano demonstrar a culpa do responsável pela ação ou omissão.” E ainda diz: “O próximo passo foi desconsiderar a culpa como elemento indispensável, nos casos expressos em lei, surgindo a responsabilidade objetiva, quando então não se indaga se o ato é culpável.”

E, de fato, para a responsabilidade civil objetiva independe a culpa ou dolo, sendo necessário apenas provar a conduta, o dano e o nexo causal, estando presente no ordenamento jurídico brasileiro precisamente no Art. 927: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

Veja que pelo artigo citado a responsabilidade objetiva aplica-se, além dos casos descritos em lei, também “quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem“, sendo que o julgador poderá definir como objetiva, imprescindível a culpa, a responsabilidade do agente na questão posta em discussão.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves, 2016, “Para esta teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade, cria um risco de dano para terceiros. E deve ser obrigada a repará-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa. A responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a ideia de risco, ora encarada como risco-proveito, que se funda no princípio segundo o qual é repará-lo dano causado a outrem em consequência de uma atividade realizada em benefício do responsável (ubi emolumentum, ibi ônus); ora, mais genericamente como risco criado, a que se subordina todo aquele que, sem indagação de culpa, expuser alguém a suportá-lo”

Tem-se, também, pensamento da doutrinadora Maria Helena Diniz, 2015: “A responsabilidade mostra-se como a imposição a uma pessoa para reparar o dano causado a outrem, seja em decorrência da responsabilidade objetiva, seja em decorrência da responsabilidade subjetiva. Portanto, os seus elementos basilares dependem do ponto de vista a ser analisado: culpa presumida ou circunstância meramente objetiva.”

Por fim, é importante destacar, quanto a classificação, que é comum à responsabilidade civil a conduta do agente, o nexo causal e o dano.

4 – Danos morais

Vários são os conceitos de danos morais.

Caio Mário da Silva Pereira, 2002, considera o dano moral como “qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária e abrange todo atentado à sua segurança e tranquilidade, ao seu amor próprio estético, à integridade de sua inteligência, às suas afeições, etc…”.

 Já Carlos Roberto Gonçalves, 2010, assim entende: “Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, a intimidade, a imagem, o bom nome etc., como se infere dos arts. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação.”

E prossegue: “O dano moral não é propriamente a dor, a angústia, o desgosto, a aflição espiritual, a humilhação, o complexo que sofre a vítima do evento danoso, pois esses estados de espírito constituem o conteúdo, ou melhor, a consequência do dano.”

E Sergio Cavalieri Filho, 2012, diz “Como se vê, hoje o dano moral não mais se restringe à dor, tristeza e sofrimento, estendendo a sua tutela a todos os bens personalíssimos – os complexos de ordem ética -, razão pela qual podemos defini-lo, de forma abrangente, como sendo uma agressão a um bem ou atributo da personalidade. Em razão de sua natureza imaterial, o dano moral é insusceptível de avaliação pecuniária, podendo apenas ser compensado com a obrigação pecuniária imposta ao causador do dano, sendo esta mais uma satisfação do que uma indenização.”

O Art. 1.078 do Código Civil Argentino prevê o dano moral da seguinte forma: “Si el hecho fuese um delito del derecho criminal, la obligación de pérdidas e intereses, sino también del agravio moral que el delito hubiese hecho sufrir a la persona, molestándole em dole em su seguridad personal, o em el goce de sus bienes, o hiriendo sus afecciones legítimas.”

Para o Direito civil argentino prevalece a teoria dos direitos subjetivos para configurar a responsabilidade civil do causador dos danos, a ensejar indenização. Como foi ensinado pelo professor Leandro Vergara, em aula proferida no início de 2017 na Argentina, os danos morais se classificam da seguinte maneira: psíquico, estético, biológico e moral, e os direitos personalíssimos compreendem o direito à intimidade, à honra e à imagem.

No Brasil os danos morais estão previstos do Art. 186 e 927 do Código Civil Brasileiro e no Art. 5º, incisos V e X, da Constituição da República, no capítulo dos direitos e garantias fundamentais.[5]

Nesse aspecto, é sabidamente acertada a orientação de J. Cretela Júnior, 1989, em sua obra Comentários à Constituição Federal de 88:

Desse modo, a honra é inviolável e à vítima, em caso de violação, cabe o direito de ir a Juízo e pleitear indenização, pelo dano material ou moral à sua honra ferida.(vol. I, pág. 258).

Ao estudar os conceitos acima e legislação do Brasil e da Argentina chego a um consenso que o dano moral tem como característica a ofensa ou violação dos bens de ordem moral de uma pessoa, juridicamente protegidos, relacionados à sua liberdade, à sua honra, à sua saúde (mental ou física), à sua imagem.

Quanto à fixação dos danos morais, o critério é subjetivo. A reparação do dano moral não visa reparar no sentido literal a dor, pois esta não tem preço, mas aquilatar um valor compensatório para amenizar a dor moral. Para isso requer indenização autônoma, pelo critério de arbitramento, onde o julgador fixará o quantum indenizatório, levando em conta as condições das partes, nível social, escolaridade, o prejuízo que sofreu a vítima, o grau de intensidade da culpa e tudo o que concorre para a fixação do dano.                

É de se ressaltar que o critério de fixação do dano moral, não se faz mediante um simples cálculo aritmético. Na verdade, inexistindo critérios previstos em lei, a indenização deve ser entregue ao livre arbítrio do magistrado que, evidentemente, ao apreciar o caso concreto, fará a entrega da prestação jurisdicional de forma livre e consciente, à luz das provas que forem produzidas.

5 – Violação dos Direitos Humanos das Mulheres – Violência Obstétrica – Responsabilidade Civil – Danos Morais

Ao adentrar em assunto específico relembramos o conceito de dano moral que se reveste da característica de violação à liberdade, honra, saúde e imagem.

Pois bem, a violência obstétrica é assunto atual de interesse de todas as mulheres e dos profissionais ligados à área da saúde. As manifestações e estudos sobre o tema tem trazido grande preocupação acerca dos danos físicos e morais causados à mulher na hora do parto.

As consequências podem refletir no campo físico e psíquico: parto degradante e desumano, complicações de saúde, stress e traumas psicológicos severos e em alguns casos a morte por negligência.

É direito da mulher ter um pré-natal de qualidade, com o objetivo de preservação da vida, da saúde e do bem estar dela e da criança.

Na cartilha da Defensoria Pública do Estado de São Paulo do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher e da ONG Artemis consta que a violência obstétrica durante a gestação se caracteriza por

 negar atendimento à mulher ou impor dificuldades ao atendimento em postos de saúde onde são realizados o acompanhamento pré-natal; fazer comentários constrangedores por sua cor, raça, etnia, idade, escolaridade, religião ou crença, condição socioeconômica, estado civil ou situação conjugal, orientação sexual, números de filhos, etc; ofender, humilhar ou xingar a mulher ou sua família; negligenciar o atendimento de qualidade; agendar cesárea sem recomendação baseada em evidências científicas, atendendo aos interesses e conveniência do médico.

Já a violência obstétrica no parto em regra são:

recusa de admissão em hospital ou maternidade (peregrinação por leito); impedimento da entrada do acompanhante escolhido pela mulher; procedimentos que incidam sobre o corpo da mulher, que interfiram, causem dor ou dano físico (de grau leve a intenso). Exemplos: soro com ocitocina para acelerar o trabalho de parto por conveniência médica, exames de toque sucessivos e por diferentes pessoas, privação de alimentos, episiotomia (corte da vagina), imobilização (braços e pernas); toda ação verbal ou comportamental que cause na mulher sentimentos de inferioridade, vulnerabilidade, abandono, instabilidade emocional, medo, acuação, insegurança, dissuasão, ludibriamento, alienação, perda de integridade, dignidade e prestígio; cesariana sem indicação clínica e sem consentimento da mulher; impedir ou retardar o contato do bebê com a mulher logo após o parto, impedir o alojamento conjunto mãe e bebê, levando o recém-nascido para berçários sem nenhuma necessidade médica, apenas por conveniência da instituição; impedir ou dificultar o aleitamento materno (impedimento amamentação na primeira hora de vida, afastando o recém-nascido de sua mãe, deixando-o em berçários onde são introduzidos mamadeiras e chupetas, etc…)

Fora isso a violência obstétrica também pode estar presente no atendimento de situações de abortamento:

negativa ou demora no atendimento à mulher em situação de abortamento; questionamento à mulher quanto à causa do abortamento (se intencional ou não); realização de procedimentos predominantemente invasivos, sem explicação, consentimento e, frequentemente, sem anestesia; ameaças, acusação e culpabilidade da mulher; coação com finalidade de confissão e denúncia à polícia d mulher em situação de abortamento.

Comentando sobre o assunto a ONG Artemis assim menciona

 Em países como Argentina e Venezuela, a violência obstétrica é reconhecida como um crime cometido contra as mulheres, e como tal deve ser prevenido, punido e erradicado. Para que a realidade da violência obstétrica mude, é necessário compreendê-la e denunciá-la, bem como assegurar que os casos em que ela aconteceu sejam acolhidos, apurados e julgados. É também necessário que se cumpram as leis e normas vigentes no país, que garantem às mulheres o pleno exercício de sua cidadania, liberdade sexual e reprodutiva e direito à saúde.

A violência obstétrica existe e caracteriza-se pela apropriação do corpo e processos reprodutivos das mulheres pelos profissionais da saúde, através do tratamento desumanizado, abuso da medicalização e patologização dos processos naturais, causando a perda da autonomia e capacidade de decidir livremente sobre seus corpos e sexualidade, impactando negativamente na qualidade de vida das mulheres[6]

Em pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo e SESC se contatou que uma em cada quatro mulheres já sofreram violência obstétrica. É mais comum do que se imagina. As violências pesquisadas abarcam maus tratos, xingamentos, agressões físicas, lesões corporais praticadas pelos operadores de saúde em ambiente solitário tendo como companhia somente a dor, raspagem de pelos pubianos a seco, exames de toques repetitivos, dentre outros atos em malefício da mulher.

Percorrendo os Tribunais são poucas as ações judiciais postulando indenizações em razão de ato ilícito proveniente da violência obstétrica, talvez em virtude do equivocado entendimento de que a parturiente tenha que a tudo suportar para gerar os filhos. Só que isso não procede.  A mulher pode ter sim o parto humanizado, sem que sofra constrangimento e sofrimento.

Ao estudar a responsabilidade civil, no caso extracontratual ou aquiliana, a indenização a favor da mulher em virtude da violência obstétrica é cabível, tendo em vista os danos que a mesma sofre com o desrespeito à sua liberdade de decidir sobre o seu corpo, o vexame em razão do tratamento dispensado na gestação e na hora do parto, e ainda as lesões decorrentes no aspecto físico e moral.  

Considerando os elementos da responsabilidade civil acima estudados a conduta do agente está atrelada ao cometimento dos atos descritos nesse tópico acerca do que vem a ser violência obstétrica. O nexo de causalidade está presente, pois agredir verbalmente a parturiente no momento de fragilidade, além de todos os outros atos, causa uma situação vexatória e sofrimento que o agente poderia evitar. Os danos experimentados são físicos e psicológicos, como trauma, humilhação, discriminação, mutilação de órgãos, dores, comprometimento da atividade sexual, física e/ou profissional.

Em se falar de direitos humanos há um traço feminino – Direitos humanos das mulheres –  quando se fala em direito à saúde, assim compreendida a saúde sexual e reprodutiva, pois tal condição é atinente à mulher e assim ao julgador cabe ainda sopesar, ao se decidir em prol da mulher, as indenizações quanto à  fixação do quantum e estabelecer valores altos, já que os atos ilícitos cometidos na gestação e especialmente na hora do parto são desumanos e discriminatórios. 

Metodologia

O trabalho apresentado foi desenvolvido pelo método dedutivo com análise da premissa maior, qual seja: Violação dos Direitos Humanos das Mulheres, tendo como caso prático experiência pessoal. É um estudo exploratório já que tem como objetivo um maior conhecimento do tema em questão.

A técnica de coleta de dados utilizada foi a documentação indireta e como a pesquisa documental e bibliográfica, por meio da análise de livros, revistas, pesquisas, artigos, jornais, teses, documentários, dados estatísticos e vídeos referentes ao objeto de estudo e palestras com debates.  

Considerações finais

A responsabilidade civil é um importante mecanismo para que o cidadão tenha assegurado o seu direito de ressarcimento pelos danos suportados e assim resolver diversos conflitos. Além disso, a indenização pelos danos patrimoniais e extrapatrimoniais tem a função punitiva e pedagógica e o acesso à justiça, em qualquer sistema jurídico, é prerrogativa da sociedade, sendo um resguardo dos seus direitos.

Portanto, se sob a conduta do causador, houver nexo de causalidade entre este e o dano, se for considerada a culpa ou não, dependendo da teoria aplicada, estará configurada a responsabilização civil por estes danos causados em relação aos bens patrimoniais e extrapatrimoniais. 

No caso específico dos direitos humanos das mulheres relativamente à violência obstétrica vejo que se trata  violência do gênero, já que se a natureza desse ao homem a maternidade este, em certos casos, poderia sofrer violência na hora do parto por desrespeito e negligência dos profissionais, porém como a ideia de um equivocado pensamento de que a mulher é um ser fraco, sensível, e outros adjetivos, essa violência dizer respeito à mulher, até porque a culpa, o medo e passividade inibe sua capacidade de reagir à violência a que são submetidas.

Vale dizer que a violência obstétrica é uma atitude discriminatória e sendo assim a mulher está exposta a atos praticados por todos os envolvidos na hora do parto e tais profissionais devem ser responsabilizados pelos danos morais causados.

Antonio Pereira Rabelo em seu Artigo publicado no livro A mulher e a justiça: A violência doméstica sob a ótica dos Direito Humanos, diversos autores, AMAGIS, 2016, diz:

Muitas consequências são conhecidas e, com frequência, reiteradas quando estudamos o tema violência seja contra crianças ou contra mulheres. Aqui será vista uma consequência que, creio, não é explorada o suficiente. Trata-se de uma consequência psíquica que percebo com bastante danosa em indivíduos que sofreram violência, sobretudo no que diz respeito àqueles que sofreram violência ou traumas, quando ainda encontravam-se em estágios do desenvolvimento de sua constituição psíquica. Falarei, pois, dos prejuízos que crianças e adultos, com foco nos primeiros, podem sofrer em decorrência de ter passado por situações de violência ou negligência em sua vida, fato que desencadeia possíveis corrosões à sua espontaneidade, à sua saúde psíquica e, até mesmo, ao sentimento de que a vida é válida.

Então, uma vez sofrida a violência com consequências físicas, como por exemplo, a mutilação de órgãos e cicatrizes em razão da episiotomia (corte entre a vagina e o ânus no momento da passagem do bebê) e traumas psicológicos, a ofendida tem o direito de buscar na justiça a reparação pelos danos físicos e principalmente morais.

A americana Caroline Malatesta obteve êxito em ação de indenização contra o hospital Brookwood Medical Center, no estado do Alabama, nos Estados Unidos. O valor indenizatório foi de 16 milhões de dólares pelos danos físicos em razão de lesões que causaram dores pélvicas por meses e exigiram tratamento médico, ao ponto de ter que ficar horas por dia dentro de uma banheira para atenuar a incomodação. E isso se deu por não ter o hospital seguido o plano do parto autorizado pela parturiente.

Como a indenização tem caráter pedagógico e punitivo, valores altos atinge a finalidade de coibir os entes a não mais cometer o mesmo procedimento em outras pacientes e a ter respeito pela condição vulnerável em que se encontra a mulher num momento tão sublime de sua vida.

A razão de escrever sobre o tema prende-se ao fato de ter sofrido a passados mais de 30 anos violência obstétrica quando do parto do meu primeiro filho.

O nascimento se deu em 28/06/1985. Eu tinha 22 anos de idade e sofri durante seis horas com o parto induzido por ingestão de ocitocina. Não foi me dado remédio para dor. Fui humilhada por frase como “na hora foi bom agora aguenta”. A epsiotomia foi feita sem analgesia, “a sangue frio”.  Um dos pontos infeccionou foi necessário refazer. Eu amamentava meu filho em pé, em razão das fortes dores no local no corte. Na hora da passagem do bebê a enfermeira se jogou em cima da barriga para facilitar a expulsão do bebê. O toque foi feito por diversas vezes, durante as seis horas, e por dois médicos. Tenho trauma até hoje por conta do parto e sofri danos físicos e morais. Torço para que outras mulheres não venham a sofrer pelo mesmo motivo o que eu sofri. Por isso, caso a mulher venha a sofrer violência obstétrica de qualquer espécie pode e deve postular indenização pelos danos causados como forma de punição e repressão.

Bibliografia

FILHO, SERGIO CAVALIERI, Programa da Sociologia jurídica, 11ªed., Rio de Janeiro/RJ:Forense, 2004.

MIGUEL, REALE, Lições preliminares do direito, 27ª ed., São Paulo/SP:Saraiva, 2002.

MONTEIRO, WASHINGTON DE BARROS. Curso de direito civil, vol. 4: direto das obrigações, 1ª parte: das modalidades das obrigações, da transmissão das obrigações, do adimplemento e da extinção das obrigações e do adimplemento das obrigações. 33 ed. rev. e atual. por Carlos Alberto Dabus Maluf. São Paulo. Saraiva, 2007

TARTUCE, FLÁVIO, Manual de Direito Civil, volume único, São Paulo/SP:Editora Método.

STOCO, RUI, organizador, Teoria do Dano Moral e Direitos da personalidade:Doutrinas essenciais, Dano moral, Volume I, Revista dos tribunais, 2015.

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[1] “O Direito de um povo se revela autêntico, quando retrata a vida social, quando se adapta ao momento histórico, quando evolui à medida que o organismo social ganha novas dimensões.”

[2] “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

[3] Art. 188. Não constituem atos ilícitos: – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.

Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.

 

[4] Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”

 

[5] “Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem; X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

[6] Definição dada pelas leis venezuelana e argentina.

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